Um estudo que poderia passar despercebido ganhou um
inesperado destaque após o Inep, braço do Ministério da Educação (MEC), mandar
suspender a sua publicação. Mesmo com todos os trâmites cumpridos, a pesquisa
foi barrada após uma diretora do instituto dizer que um comitê editorial -
etapa que não existia anteriormente - seria instalado para "garantir a excelência
do processo".
A pesquisa tem um título que não sugere polêmicas à vista:
"Avaliação Econômica do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa". É uma análise de possíveis retornos econômicos com o incremento do
número de professores envolvidos no Pnaic, programa federal instituído em 2012
voltado à alfabetização.
A conclusão é de que haveria um "lucro", um saldo
líquido positivo para a sociedade de R$ 118,48 por aluno nas condições
apontadas.
Um dos autores protocolou solicitação interna dirigida ao
presidente do Inep para tentar a liberação do estudo. Depois da repercussão, o
deputado federal Israel Batista (PV-DF) fez nesta quarta (12) um requerimento
para pedir ao MEC esclarecimentos sobre o caso.
O Inep é responsável pelo Enem, a maior prova do país, além
de censos e estatísticas sobre a educação brasileira.
Renan de Pieri, economista da Fundação Getúlio Vargas em
São Paulo e autor do estudo junto com o pesquisador do Inep Alexandre André dos
Santos, afirma que o episódio da suspensão é um "exagero" e que o
objetivo da pesquisa é descobrir "o que funciona e o que não
funciona" em uma política pública.
"Isso traz uma riqueza de dados que permite uma boa
tomada de decisão para gestores", afirma De Pieri. "A gente não tem
uma cultura no Brasil de avaliar o que funcionou e o que não funcionou. Esse
tipo de informação pode basear a ampliação de um programa e expandir para a
população como um todo."
Como se chegou ao valor de R$ 118,48 por aluno como retorno
econômico para o país? O economista detalha as linhas gerais do estudo:
O Pnaic é um acordo entre o governo federal e estados e
municípios para buscar a alfabetização plena dos alunos até os 8 anos de idade
Uma das principais bases do Pnaic é o treinamento de
professores para melhorar o processo de alfabetização no Brasil, com uma
abordagem mais lúdica
Os pesquisadores compararam escolas segundo o número de
professores que participaram e concluíram os treinamentos do programah
Verificou-se que, quanto mais professores envolvidos no
Pnaic uma escola tinha, maior era a proficiência em linguagem e matemática
medida pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA)
O estudo então estimou o "custo" por aluno, com
base no orçamento inicial de R$ 2,6 bilhões do programa
Aí se calculou o quanto a alfabetização plena poderia se
traduzir em chances de uma pessoa estar empregada e o quanto ter um emprego
significaria em rendimentos entre os 15 e 60 anos de idade
A comparação entre esse montante e o "custo" por
aluno no Pnaic resultaria no valor líquido positivo de R$ 118,48
"Não tem nada de conclusivo, não é uma bala de prata.
É um estudo. Alguém poderia pegar o estudo e dizer 'olha, essa metodologia
poderia ser diferente'. O que é supercomum no meio acadêmico. Uma outra pessoa
toma um outro caminho e chega numa outra resposta. Isso é supersaudável. É uma
troca", diz o economista.
De Pieri diz estar consciente de resistências na área da
educação para uma abordagem que pode soar como "quantificadora" ou
"resultadista".
"A gente não pode ter paixão na política pública. A
gente tem que ver se tem resultado ou não, qual é o público-alvo, o que eu
quero daquela política pública. O foco são os professores? São os alunos? Quais
são as métricas de monitoramento? O dinheiro é curto. Nesse caso, você tem que
decidir onde vai alocar o dinheiro público. O interessante nesse tipo de
análise, que às vezes enfrenta algum tipo de resistência, é dar alguma
racionalidade. Mas, sim, há várias limitações na abordagem."
Ele diz que a ideia por trás do que está se chamando de
lucro "é sempre o retorno social. O custo é público, mas o benefício é
social, para a sociedade como um todo".
O economista afirma que a pesquisa suspensa pelo Inep
proporcionou a ele "um contato maior com a realidade":
"Fui a uma escola na periferia de Salvador e na meia
hora que a gente ficou houve uma morte nas redondezas. Conversando com o
diretor eu estava tentando entender por que algumas escolas dão certo e outras
não. Ele contou que mortes nas proximidades eram frequentes, que muitos dos
alunos não tinham presente a figura dos pais em casa e que é um desafio evitar
que as crianças não entrem no tráfico. É duro implementar uma política sem
conhecer os pormenores da história, a dificuldade de cada localidade. Não dá
para pensar em alfabetização se a criança passa fome na escola."
O que o Inep diz sobre o caso
Procurado pelo G1, o Inep respondeu que "apesar de o
artigo ter encerrado o rito previsto em 30 de abril", a nova diretora de
Estudos Educacionais, Michele Melo, que tomou posse em 26 de abril, decidiu
instalar um Comitê Editorial "com intuito de reforçar o processo de
publicações do Instituto e garantir a excelência no processo".
"Destaca-se que não houve, em nenhum momento, a
negativa sobre a publicação do artigo", afirma a nota da autarquia.
A diretoria de Estudos Educacionais monitora planos
nacionais e avalia as políticas públicas da área. Além disso, deve elaborar e
aprimorar indicadores educacionais, entre outros temas.
Do G1
0 Comentários