O fim do Auxílio Emergencial
já levou 2 milhões de brasileiros para a pobreza apenas em janeiro. Ao todo,
13% da população do país, ou 26 milhões de pessoas, estão sobrevivendo com uma
renda per capita de apenas R$ 250 por mês.
O impacto do fim do benefício
foi calculado pelo coordenador da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, Naercio
Menezes Filho, a pedido do G1.
Segundo o pesquisador, a
quantidade de pobres hoje no Brasil já é maior do que a observada antes do
início da pandemia de coronavírus. Em 2019, 12% da população era pobre, ou
seja, cerca de 24 milhões de pessoas.
"Com o Auxílio
Emergencial, o país conseguiu reduzir a pobreza, a extrema pobreza e a
desigualdade de renda", afirma Naercio. "A pobreza só não cresceu
mais agora porque uma parte das pessoas que estava em casa e recebeu o auxílio
conseguiu arrumar emprego."
Durante o pagamento do benefício, a taxa de pobreza chegou a recuar para 8% da população, e a da extrema pobreza - brasileiros com renda per capita abaixo de R$ 150 ao mês - caiu de 3% para 1%. Foram os menores patamares já registrados pelo Brasil desde a década de 1970, quando as pesquisas domiciliares começaram a ser realizadas.
Essa melhora também se
refletiu no índice de Gini, que monitora a desigualdade de renda em uma escala
de 0 a 1 – quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade. O índice recuou de
0,53 para 0,47, caindo abaixo de 0,50 pela primeira vez na história brasileira.
A deterioração social que o país enfrenta hoje já era esperada. Todos os indicadores começaram a piorar já com a redução do benefício de R$ 600 para R$ 300.
"Com a diminuição do
valor, a pobreza começou a aumentar. Em dezembro, ela já estava alcançando o
mesmo nível de antes da pandemia", afirma Naercio.
Ao todo, o Auxílio Emergencial
chegou a quase 68 milhões de brasileiros.
Cortei o leite do meu filho
Desempregada há um ano,
Jenifer Carvalho dos Santos, de 27 anos, recebeu as nove parcelas do Auxílio
Emergencial. As quatro primeiras foram de R$ 1,2 mil, e as últimas, de R$ 600.
Em janeiro, com o benefício
encerrado, Jenifer voltou a receber o valor do Bolsa Família. Com um filho de
quase dois anos, tem direito a um benefício mensal de R$ 156.
"Com o auxílio, eu conseguia ajudar o meu esposo com as despesas da casa. Agora, ficou mais na responsabilidade dele", afirma. "Eu já tive de cortar internet e alimento. Comprava um leite um pouco mais caro para o meu filho – uma espécie de fórmula -, mas voltei a dar leite normal."
Hoje, sem o auxílio, a família
de Jenifer tem uma renda de aproximadamente R$ 1,1 mil, que chega pelo marido.
Ele trabalha como entregador e tem uma pequena loja virtual. Do dinheiro que
entra todo mês, a maior parte vai para pagar o aluguel de R$ 400 de uma casa em
Paraisópolis, na Zona Sul de São Paulo.
"O auxílio pagava meu
aluguel tranquilo e ainda tinha uma sobra para comprar as coisas para o meu
filho. O fim do benefício atrapalhou bastante."
Uma conta difícil
Com o Brasil enfrentando uma
severa crise fiscal desde 2014, manter o pagamento do Auxílio Emergencial
passou a ser uma conta difícil de ser fechada pela equipe econômica. Nas
últimas semanas, o debate pela volta do benefício ganhou força com a piora dos
números da pandemia.
No ano passado, com todas as
medidas adotadas pelo governo federal, a dívida bruta alcançou 89,3% do Produto
Interno Bruto (PIB), uma alta de 15 pontos percentuais em relação a 2019.
O nível do endividamento brasileiro já é considerado elevado para um país em desenvolvimento. Na média, as economias similares à brasileira têm um patamar de dívida próximo a 65% do PIB. O tamanho da dívida bruta é um indicador bastante analisado por investidores e pelas agências de classificação de risco.
Na prática, portanto, uma nova
rodada de gastos pode aumentar ainda mais relação entra a dívida e o PIB. Uma
piora fiscal que pode se traduzir em fuga de investidores e, na ponta, provocar
uma alta dos juros e da inflação.
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retomada da economia
Além do endividamento
crescente, a equipe econômica tem o desafio de manter o teto de gastos, que
limita o crescimento das despesas com base na inflação do ano anterior.
"Se o Brasil já tinha um
desafio fiscal antes da pandemia, esse desafio aumentou brutalmente agora, nos
próximos meses e nos próximos anos. O ideal seria conjugar as duas coisas
(melhora fiscal e auxílio para os mais pobres)", afirma o analista de
contas públicas da consultoria Tendências, Fabio Klein.
Estratégia do governo
Na última quinta-feira (4), o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou, ao lado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que o auxílio pode voltar a ser concedido para metade dos beneficiários. A volta do benefício, porém, foi condicionada ao acionamento de "cláusulas necessárias".
A estratégia da equipe econômica
é colocar uma espécie de cláusula de calamidade na Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) do Pacto Federativo, enviada ao Senado em 2019, para
permitir a suspensão temporária de regras fiscais e o aumento de gastos.
A cláusula de calamidade permitiria,
por exemplo, a abertura de créditos extraordinários, os quais não se sujeitam à
regra do teto de gastos.
A partir de 2022, o governo espera contar com o benefício integral da PEC do Pacto Federativo e das propostas Emergencial e dos Fundos para conseguir ter alguma folga no orçamento. Em resumo, elas propõem o seguinte:
PEC Emergencial: cria
mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e
municípios. Ela permite, por exemplo, a redução da jornada e do salário dos servidores,
abrindo espaço nos orçamentos;
PEC dos Fundos: acaba com a
maior parte fundos públicos e permite o uso de recursos para pagamento da
dívida pública;
PEC do Pacto Federativo: dá
mais recursos e autonomia financeira para estados e municípios.
“O mercado não vai gostar se
vier um benefício social na forma do auxílio sem uma contrapartida”, alerta
Klein.
Ajuste bilionário
Para estancar o endividamento
do país, a missão da equipe econômica não é fácil. O governo teria de fazer um
ajuste de R$ 84 bilhões até 2023 para impedir um novo crescimento da relação
dívida/PIB, segundo uma simulação feita pelo sócio e economista da Kairós
Capital, André Loes.
O exercício feito por Loes
leva em conta uma série de hipóteses, como um crescimento do PIB de 3% este ano
e 2% nos dois anos seguintes e uma taxa de juros que vai sair de 3% ao fim
deste ano e chegará a 5% em 2023. Ele também estima que a regra do teto de
gastos vai ser preservada e que o Tesouro receberá R$ 20 bilhões por ano do
BNDES, além dos R$ 38 bilhões já computados em 2021.
"Nas nossas hipóteses,
estamos considerando que o governo vai respeitar o teto de gastos. Então, o que
se fizer pelo lado da despesa, tem de ser feito com algum avanço das medidas
como as que estão previstas na PEC Emergencial", diz André.
Na avaliação do economista, o
esforço de R$ 84 bilhões é "factível", desde que haja um ajuste pelo
lado das despesas.
Do G1
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