Nenhum
bebê nasceu em hospitais das redes públicas municipais de Paulista, Igarassu,
Itamaracá, Itapissuma, Araçoiaba e Moreno, em 2017. O número do Departamento de
Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) revela um problema no setor de
obstetrícia no Grande Recife. Um levantamento feito pela TV Globo revela que,
dos 15 municípios da Região Metropolitana, sete fecharam maternidades nos
últimos cinco anos.
O resultado disso é que as
maternidades do Recife sofrem com a superlotação e as unidades de saúde que
deveriam atender apenas casos de alto risco acabam recebendo a demanda de
outras cidades. Uma pesquisa feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)
mostra que, em cinco anos, Pernambuco perdeu 136 leitos de obstetrícia.
A dona de casa Jaqueline
Ferreira está grávida de oito meses e mora em Paulista, bem perto do Hospital
Central. O filho dela, no entanto, vai ter que nascer no Recife.
É que o Hospital Central,
que é privado e atendia a pacientes do SUS, não está atualmente conveniado com
a rede pública e o município de mais de 300 mil habitantes não tem nenhuma
maternidade funcionando.
“Estou entrando para os nove
meses. Infelizmente, a gente está sem maternidade e eu não posso ter meu bebê
perto de casa. Tive que ir para a maternidade da Encruzilhada. Ainda bem que
consegui um encaminhamento para lá”, diz, se referindo ao Centro Integrado de
Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), na capital.
Em Itapissuma e Igarassu, a
situação é a mesma. A Unidade Mista de Igarassu fechou a maternidade há cinco
anos. Desde então, as gestantes são obrigadas a ver seus filhos nascerem em
outras cidades, como no Hospital e Maternidade de Abreu e Lima, Hospital
Tricentenário, em Olinda, ou nas unidades de saúde recifenses.
Esse é o drama que enfrenta
a gestante Elizângela Vicente, que mora em Igarassu e está quase com nove meses
de gestação. “É errado, né? A gente chega sentindo dor e nem pode parir no
hospital daqui. Transferem logo para outros hospitais”, reclama.
A dona de casa Rosimery da
Silva fez o pré-natal no posto de saúde perto de casa, em Igarassu, mas o parto
foi em Abreu e Lima. “Não tinha obstetra”, lamenta.
Em Itamaracá, a reportagem
da TV Globo entrou no Hospital e Maternidade Alzira Figueiredo e encontrou a
enfermaria obstétrica vazia, abandonada, com os leitos todos desocupados.
São Lourenço da Mata ainda
realizou 234 partos no ano passado, mas, por causa da crise política, o
Hospital Petronila Campos fechou a maternidade.
Superlotação
O cenário dos municípios
periféricos do Grande Recife contrasta com a superlotação constante enfrentada
pelas maternidades da capital. No dia 13 de janeiro, o setor de pré-parto do
Cisam estava com 16 gestantes, num espaço projetado para atender 10. Até casos
de infecção urinária, que poderiam ser resolvidos em outras unidades de saúde,
estavam sendo encaminhados para lá.
A dona de casa Joseilma
Florentino, com apenas cinco semanas de gravidez, teve uma infecção urinária.
Mora em Jaboatão dos Guararapes e procurou o Hospital da Mulher, descrito pela
Prefeitura do Recife como “a primeira unidade de saúde de grande porte
construída numa gestão municipal”.
“A gente escuta falar muito
bem. Aí fomos lá. Não é que a gente foi mal atendido, mas alguns casos eles não
tratam lá. É um hospital muito bonito, bem organizado, mas não tratam muita
coisa. Só o superficial. É frustrante”, afirma o marido dela, o eletricista de
autos Cláudio Vieira.
A mulher foi encaminhada
para o Hospital de Goiana e, em seguida, para o Cisam, no Recife. Havia dois
dias que estava sentada numa cadeira, aguardando um leito.
A Unidade de Cuidados
Intermediários (UCI), com 15 leitos, estava com 27 recém-nascidos e uma série
de problemas. As incubadoras ficam coladas umas às outras, contrariando
resolução do Ministério da Saúde que obriga uma distância mínima de meio metro.
Por falta de incubadoras,
alguns bebês estavam em berços normais, sem a estrutura de UCI. E o pior: o
setor conta com apenas seis fontes de oxigênio, o que força os funcionários a
fazer gambiarras para poder atender a todos os pacientes.
A UCI era dividida em três
salas, mas, por falta de pessoal, foi reunida em um único espaço. E esse espaço
era onde deveria estar funcionando a UTI Materna, hoje desativada e com os
leitos encostados em um corredor, sem uso.
“A gente deixa o bebê aqui e
vai para casa um pouco preocupada”, diz a mãe Roberta Crislaine, com a filha
recém-nascida internada há dois meses.
HC
O Hospital das Clínicas, na
Zona Oeste do Recife, é outro refém da superlotação. A UCI do HC, que deveria
ter cinco pacientes, estava com 19 no dia em que a reportagem da TV Globo
esteve por lá. O chefe de Atenção à Mulher do HC, Elias Melo, classifica a
situação como absurda.
“Esse fato é um escândalo.
Num país sério, pessoas provavelmente teriam sido presas por esses fechamentos
de maternidades. E eu nunca ouvi falar que alguém respondeu um processo por
isso. Muitos gestores acham melhor fechar as maternidades e encaminhar
pacientes. Isso sobrecarrega alguém. Essa situação deveria ser coibida”,
denuncia.
Repostas
A Secretaria de Saúde de
Paulista informou que vai tentar fechar um novo convênio com o Hospital
Central, que foi vendido e está em obras. E que está estruturando um projeto
para construir uma Central de Parto Normal (CPN), que será potencial pra
realizar cerca de 70 partos por mês.
Enquanto isso, existe um
acordo para encaminhar as gestantes para o Hospital Tricentenário, em Olinda,
que é particular e conveniado com o SUS.
A Prefeitura de Itamaracá
disse que, quando assumiu a gestão, no ano passado, a maternidade já se
encontrava fechada. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, o hospital
está passando por reforma e, após ela ser concluída, retomará as discussões
para reabrir a maternidade. Os recursos para partos estão sendo encaminhados
para Abreu e Lima, que atende as gestantes do município.
A Secretaria de Saúde de
Itapissuma afirmou que, pelo fato de a cidade ser pequena, não tem condições de
manter uma maternidade. Por isso, faz encaminhamentos. A Prefeitura de Igarassu
disse que também utiliza a maternidade de Abreu e Lima, mas negocia que o
município realize partos humanizados.
A assessoria de imprensa do
Cisam informou, em nota, que “a superlotação é devida a uma demanda reprimida
existente na rede. A unidade hospitalar afirma que prefere atender as
pacientes, mesmo com a superlotação, do que mandá-las de volta para casa”.
A unidade admitiu que existe
risco de infecção pela proximidade das incubadoras. “Mas o risco maior a esses
recém nascidos é não ter acesso a uma UCI”, pontua a assessoria de comunicação.
Fonte : G1
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