O presidente Jair Bolsonaro
discursou nesta quinta-feira (22) na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Ele
prometeu adotar medidas que reduzam as emissões de gases do efeito estufa e
pediu "justa remuneração" por serviços ambientais prestados pelo Brasil.
Especialistas ouvidos pelo G1 ressaltaram que presidente discursou sobre metas climáticas já estabelecidas anteriormente pelo Brasil e fez promessas importantes, porém que não condizem com a atual política nacional de meio ambiente.
O coordenador do Laboratório
de Gestão de Serviços Ambientais e professor da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Raoni Rajão, destaca a promessa de Bolsonaro de dobrar os
recursos para ações de fiscalização ambiental, mas lembra que R$2,9 bilhões -
fundo que deveria ser usado para este fim - seguem paralisados no Fundo
Amazônia desde janeiro de 2019.
"Importante Bolsonaro ter
indicado mais recurso para ações de fiscalização. Mas hoje o Fundo Amazônia
ainda tem dezenas de milhões de recursos que estão prontos para uso, inclusive
para a Força Nacional. O mais urgente é contratação de fiscais e substituir
Salles por um ministro efetivamente comprometido com a agenda ambiental",
coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais e professor da
UFMG.
De 2016 a 2018, o Ibama
recebeu recursos do Fundo Amazônia para bancar o aluguel de veículos especiais
em operações na Amazônia e implementar pelo menos 466 missões de fiscalização
do Ibama. Em 2019, o ministro do Meio Ambiente Salles tentou mudar as regras do
Fundo para destinar os recursos captados para indenizar proprietários de
terras.
O secretário-executivo do
Observatório do Clima, Marcio Astrini, também comenta a promessa de duplicar o
orçamento para fiscalização ambiental, mas lembra que o governo federal cortou
verbas do Ibama e ICMBio para 2021.
"É uma mentira. Na
verdade, ele mesmo [Bolsonaro] colocou a fiscalização ambiental no orçamento
para 2021 como o menor dos últimos 20 anos, então simplesmente não tem a menor
noção da realidade", Marcio Astrini, secretário-executivo do OC.
Astrini também destaca que,
mais uma vez, o presidente brasileiros pediu dinheiro à comunidade
internacional para executar as promessas de proteção à Amazônia.
"Ele passou a metade do
vídeo pedindo dinheiro (...) É também importante dizer que esse pedido de
dinheiro tão insistentemente feito para outros países não faz nenhum sentido. O
Brasil tem neste momento R$ 3 bilhões parados no Fundo Amazônia. Esse dinheiro
não é usado pelo governo desde 2019. O problema do Brasil não é falta de
recursos, é falta de governo e de compromisso".
A especialista sênior em
políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely
Araújo, destaca que o presidente apresentou dados ultrapassados do Brasil.
"As promessas colidem com
a prática. Mostram-se dados passados, anteriores ao governo Bolsonaro, como um
cenário de um país que se preocupa com a questão ambiental. O governo atual
desconstruiu o que se fazia nesse sentido e demanda dinheiro para corrigir o
que eles mesmo pioraram. Mais importante do que financiamento internacional, é
a reversão do quadro de desmonte completo da política ambiental", Suely
Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
A Cúpula de Líderes sobre o
Clima foi organizada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e contou
com a participação de cerca de 40 líderes de estado de várias partes do mundo.
Dados incorretos
Sobre os dados apresentados
por Bolsonaro, Araújo destaca que Bolsonaro falou apenas em porcentagens, e não
em números absolutos, e maquiou a situação do país quanto à emissão de gases de
efeito estufa.
"Ele diz que o Brasil
participou com menos de 1% das emissões históricas desses gases, mesmo sendo
uma das maiores economias do mundo. Mas a realidade hoje é que o Brasil é o
sexto maior emissor de GEE no mundo atualmente", explica Araújo.
O Brasil emite entre 4 e 5%
das emissões globais de todos os gases de efeito estufa.
Já desmatamos por corte raso
cerca de 20% da floresta Amazônica e há uma área estimada entre 10% e 20%
adicionais em diferentes graus de degradação. Em 2020, as emissões da maioria
dos países diminuíram na maioria dos países devido à pandemia. No Brasil,
aumentaram devido o aumento dos desmatamentos da floresta Amazônica. Foi um
discurso defensivo e não pró-ativo de como se esperava com propostas concretas
de como zerar os desmatamentos, degradação e queimadas na Amazônia, fator
principal que tornou o país como um grande "vilão ambiental" nacional
e globalmente.
Discurso divergente do feito
na ONU
Astrini destacou divergências
entre as promessas feitas por Bolsonaro nesta quinta e as promessas feitas
anteriormente à Organização das Nações Unidas (ONU), como a de o Brasil zerar
até 2030 o desmatamento ilegal.
"Essa proposta já tinha
sido apresentada na ONU, na submissão do Brasil de promessas de clima em 2015.
E o governo Bolsonaro, quando fez a releitura da submissão em 2030, retirou
esse compromisso. E agora ele está falando novamente de desmatamento ilegal zero
até 2030. Então a gente tem que saber para quem ele está falando a verdade: pra
ONU ou nesse vídeo?", Márcio Astrini, secretário-executivo do OC.
Veja o que é #FATO ou #FAKE no
discurso de Bolsonaro na ONU
Astrini destaca outra
divergência entre os discursos, desta vez sobre a promessa de o país zerar as
emissões de carbono.
"Hoje Bolsonaro fala em
neutralidade de carbono para o Brasil em 2050. Na proposta oficial encaminhada
para ONU em dezembro, está lá que a meta é 2060".
Bolsonaro discursou na Assembleia
da ONU em setembro do ano passado. Na ocasião, ele afirmou que o Brasil é
"vítima" de uma campanha "brutal" de desinformação sobre a
Amazônia e o Pantanal.
"De maneira geral, o
governo sai da Cúpula do Clima do mesmo jeito que entrou: desacreditado. Um
governo que está há 28 meses prestando serviços para o crime ambiental,
destruindo o meio ambiente no Brasil. Não vai ser um vídeo de cinco minutos que
vai reverter essa situação", conclui Astrini.
As promessas na Cúpula
Bolsonaro participou da cúpula
acompanhado de alguns ministros, entre os quais o do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, alvo de críticas de ambientalistas e de diversos setores da sociedade.
Entre outros pontos, Bolsonaro
disse no discurso que o Brasil se compromete a:
zerar até 2030 o desmatamento
ilegal;
reduzir as emissões de gases;
buscar 'neutralidade
climática' até 2050, antecipando em dez anos;
'fortalecer' os órgãos
ambientais, 'duplicando' recursos para fiscalização.
"À luz de nossas
responsabilidades comuns, porém diferenciadas, continuamos a colaborar com os
esforços mundiais contra a mudança do clima. Somos um dos poucos países em
desenvolvimento a adotar e a refirmar a NDC transversal e abrangente, com metas
absolutas de redução de emissões, inclusive para 2025, de 37%, e de 40% até
2030", afirmou o presidente na cúpula.
"Coincidimos, senhor
presidente, com seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos.
Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até
2050, antecipando em dez anos a sinalização anterior", completou.
Em outro trecho, Bolsonaro
declarou: "É preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais
prestados por nossos biomas ao planeta como forma de reconhecer o caráter
econômico das atividades de conservação."
Entenda a cúpula
O que está em jogo
Vídeos: os discursos na cúpula
Presidente do Conselho
Nacional da Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão não participou.
Questionado sobre o assunto em uma entrevista, Mourão respondeu: "Se o
presidente julgasse necessária a minha contribuição ele teria pedido, acho que
ele não julgou necessário."
Na quarta (21), véspera da
cúpula, um grupo formado por dezenas de empresários se reuniu por
videoconferência com Ricardo Salles para discutir a pauta ambiental do governo.
Especialistas alertam para falhas na política ambiental brasileira.
Do G1
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