Isabella Nardoni aparece sorrindo em duas
fotos colocadas em porta-retratos na estante da sala da casa de Ana Carolina
Oliveira. Espalhados pelo chão estão carrinhos e outros brinquedos do pequeno
Miguel, que nasceu há 1 ano e 9 meses.
Dez
anos depois da morte de Isabella, Ana Carolina conta com exclusividade ao G1
como reconstruiu a vida após o crime que chocou o país. E como vai fazer para
explicar ao novo filho a história da irmã - que teria hoje 15 anos (veja no
vídeo acima).
''O único sentimento que existe é a
saudade. A gente aprende a lidar com a dor.'
A
menina Isabella morreu na noite de 29 de março de 2008. Tinha cinco anos de
idade. O pai e a madrasta foram presos acusados de jogar a menina pela janela
do apartamento do prédio onde moravam na Zona Norte de São Paulo.
O
que faz com que um crime ocorrido há dez anos ainda desperte o interesse
público? “Eu acho que foi a maneira cruel como tudo aconteceu”, responde Ana
Carolina Oliveira sobre o assassinato da filha.
Carol,
como prefere ser chamada, contou emocionada ao G1 o que tem feito para
reconstruir sua vida. Está com 33 anos, casou-se com o administrador Vinicius
Francomano, de 31, e teve o Miguel, seu segundo filho. No dia-a-dia, ela fala
para o menino sobre a Isabella, a irmã que aparece nas fotos.
'É uma realidade da minha vida que eu vou
carregar e meu filho entrou para fazer parte dessa história.'
Segundo
a polícia, Isabella caiu do sexto andar do apartamento onde moravam o pai e a
madrasta, no Edifício London.
Para
a investigação, porém, não foi uma queda acidental, mas sim um homicídio. Ela
apontou Alexandre Nardoni, ex-marido de Oliveira, e Anna Carolina Jatobá, a
atual mulher dele, como os assassinos. De acordo com o Ministério Público (MP),
eles agrediram Isabella, e achando que ela estivesse morta, decidiram se livrar
da criança, cortando a tela de proteção e a lançando do sexto andar do
apartamento.
‘A pessoa que deveria defender não o fez’,
diz mãe de Isabella Nardoni dez anos sobre pai da filha
Isabella
ainda respirava quando foi socorrida no solo, mas não resistiu e morreu.
O
casal sempre negou a acusação, mas foi condenado na Justiça pelo crime em 2010.
Alexandre recebeu pena de 30 anos, 2 meses e 20 dias de prisão em Tremembé,
interior do estado. Jatobá, 26 anos e 8 meses, mas recentemente deixou o
presídio para a saída temporária de Páscoa. A defesa do casal pediu ao Supremo
Tribunal Federal a redução da pena.
Veja
abaixo trechos da entrevista:
G1 –
Dez anos sem Isabella. Essa data tem algum significado, para você, diferente
das outras?
Ana
Carolina Oliveira – Com certeza tem, né? Porque é a data que tudo aconteceu. É
a data mais, com certeza, mais difícil de memórias mais tristes, de lembranças
mais sofridas. As outras ficam como lembranças agradáveis, aniversário e tudo
mais. Essa, com certeza, é a mais difícil de lidar, de encarar.
G1 –
O que que vem a sua mente?
Ana
Carolina – Às vezes eu fico me perguntando o que... (interrompe). Pensar que já
foi tanto sofrimento durante tantos anos. Hoje a gente procura pensar de uma
forma mais suave, mas eu acho que o único sentimento que existe é a saudade.
Que é o maior deles, e esse nunca passa.
G1-
Como lida com a saudade?
Ana
Carolina – Acho que é trabalhar a cabeça. Acho que é o tempo, o crescimento, a
maturidade. É um conjunto de coisas.
G1 –
Você ainda está reconstruindo a sua vida?
Ana
Carolina – Minha vida já tá bem mais reconstruída, mais sólida, mais com minha
família. Hoje eu tô muito bem.
G1 –
O que te ajudou nesse processo?
Ana
Carolina – Minha família, meus amigos, me tratar, terapia, meu marido... É um
conjunto de coisas que durante esses dez anos foram... Fechando um ciclo.
'Hoje eu tenho dois filhos’
G1 –
Acredito que você ainda seja reconhecida como a mãe da Isabella...
Ana
Carolina – Hoje um pouco menos. Bem menos daquela época que eu estava mais
visível, o tempo todo na mídia. Mas ainda sou sim reconhecida.
G1 –
O que as pessoas dizem a você?
Ana
Carolina – Acho que hoje as pessoas mais me reconhecem de longe. Poucas as
vezes as pessoas vêm falar comigo. Bem poucas pessoas me procuram ou falam
comigo hoje em dia. E aí quando me reconhecem. A única coisa que elas querem é
um abraço.
G1 –
E você lida como com isso?
Ana
Carolina – Ah, hoje eu lido muito, muito tranquila. Eu acho que eu me cuidei
durante todo esse tempo para poder lidar com essa situação. Eu lido super bem.
G1-
Você chegou a morar fora do Brasil.
Ana
Carolina – Morei [entre junho e dezembro de 2010 ficou seis meses nos EUA,
fazendo intercâmbio estudantil].
G1 –
Por qual motivo?
Ana
Carolina – Acho que era um pouco para me redescobrir na época. Acho que tudo
ficou muito confuso. Foram dois anos intensos de muita turbulência na vida.
Mudanças e era como se eu não me reconhecesse mais. Ficar um pouco fora pra.
Era uma situação diferente.
G1 –
Aí você voltou ao Brasil?
Ana
Carolina – Voltei para o Brasil. Meu marido eu conheci um mês antes de morar
fora. A gente se conheceu, eu já tava com a viagem marcada... Fui, fiquei seis
meses fora e ele, no final da minha viagem, foi pra lá, me buscou e me trouxe
de volta.
G1 –
Como é para ele lidar com esse assédio?
Ana
Carolina – Eu acho que ele poderia falar um pouco melhor, mas ele, ah, ele
aprendeu a lidar, né? Ele também entrou na minha vida depois que tudo tinha
acontecido, então ele não teve muita opção de, talvez, tratar ou saber como
lidar. Eu acho que com o tempo ele foi aprendendo.
G1 –
Você ficou grávida e teve um filho.
Ana
Carolina – Sim.
G1 –
O que que a maternidade representou novamente para você?
Ana
Carolina – Pra falar a verdade foi um momento que eu esperei bastante, né?!
Eu... Ah, foi incrível, foi maravilhoso. Ser mãe depois de tudo que me
aconteceu. É, a maturidade também veio. Porque quando eu tive a Isabella eu era
bem nova.
G1 –
Você tinha quantos anos?
Ana
Carolina – Eu engravidei com 17. E quando ela nasceu, eu tinha feito 18, 13
dias antes.
‘Fico triste ainda, ainda choro’
G1 –
E você teve Miguel com quantos anos?
Ana
Carolina – Com 32 anos.
G1 –
E o que foi diferente?
Ana
Carolina – A cabeça já tinha mudado bastante. Ser mãe de menino é diferente
também, né? Acho que a praticidade de ser mãe de menino começa desde a hora que
você engravida também. Mas foi incrível.
G1 –
As pessoas se questionam como foi ter um filho após perder uma filha.
Ana
Carolina – Então, eu não fiz uma substituição, eu simplesmente agreguei. Mas
hoje eu tenho 2 filhos. Apenas não convivo mais com um. Não substituí um filho
pelo outro. Isso eu tinha convicto desde que eu pensava em engravidar novamente.
Acho que tem a ver com uma realidade. Acho que nenhum filho substitui o outro
[como já havia dito ao G1 em 2016, quando seu filho nasceu] hoje, se eu
engravidar de novo, eu vou ter o meu terceiro filho convivendo com outro. Então
um outro filho não substituirá o meu atual. Ele simplesmente virá para agregar
a mais na família. E sempre encarei dessa forma.
G1 –
Pretende ser mãe novamente?
Ana
Carolina – Quem sabe. Se Deus quiser
G1 –
Menino ou menina? Tem um desejo?
Ana
Carolina – Não. Hoje eu acho que não. Quando eu engravidei eu tinha certeza que
era um menino. Assim, da mesma forma, que quando eu engravidei da Isabella eu
tinha certeza que era uma menina. Agora eu acho que já tive as duas
experiências, o que Deus mandar agora é sempre muito bem vindo.
G1 –
Seu filho vai crescer. Ele vai saber que a mãe dele esteve como personagem de
um dos casos mais emblemáticos do país.
Ana
Carolina – Sim.
G1 –
Como você pretende contar isso a ele?
Ana
Carolina – Olha, eu já pensei. Pensei e repensei, mas eu ainda não cheguei numa
conclusão de como, como contar. Eu acho que as coisas vão acontecer
naturalmente. Acho que um dia na vida dele, ele vai saber. As informações hoje
estão mais fáceis para ele buscar. A gente sempre fala, tem fotos, algumas
coisas: ‘É a sua irmã’. Óbvio que pelo fato dele ser muito pequeno, ele ainda
não sabe, mas eu acho que vou procurar fazer da forma mais natural possível. E
realmente é uma realidade da minha vida que eu vou carregar e ele entrou para
fazer parte dessa história.
G1 –
A morte dela já está superada pra você?
Ana
Carolina – Eu não sei se a palavra é superação. Eu acho que a gente aprende a
lidar com a dor. Ela se torna um pouco... menos forte. Ela é menos dolorida,
mas ela [a dor] nunca vai ser esquecida. Óbvio que eu sofro muito menos do que
eu sofria há dez anos atrás. Eu lido de uma forma diferente. Eu também fico
triste ainda, ainda choro, ainda tenho vários sentimentos, mas hoje ele é mais
ameno. Um dor menos sofrida do que foi um dia.
G1 –
Em 2010, após o julgamento que condenou o casal Nardoni pela morte de Isabella,
você disse que foi ‘cruel’ e ‘inacreditável’ dar o seu depoimento na
investigação que apontou o casal como assassino. Dez anos depois como é que
você lida com isso em relação a condenação deles?
Ana
Carolina – Eu continuo com a mesma opinião: que é ‘cruel’ e ‘inacreditável’.
Vai passar minha vida inteira e ainda para mim é ‘inacreditável’. Saber que
confrontar uma situação dessa com o que você nunca imaginou na sua vida fosse
acontecer. Então a minha opinião continua a mesma.
G1 –
Demorou pra acreditar no que ocorreu com Isabella, da participação do casal?
Ana
Carolina – Escutei isso uma vez, eu acho muito claro: a partir do momento que
você jamais cometeria um crime desse jeito. Eu não consigo pensar como uma
pessoa chega pra cometer um crime. Acreditar que a pessoa que deveria defender
não o fez é difícil. Sempre vai ser difícil, mas realmente os crimes acontecem.
Esse não foi único, não foi o primeiro. Infelizmente não vai ser o último.
'A gente aprende a lidar com a dor'
G1 –
Durante o julgamento, você comentou ter lido um livro chamado ‘Aline’ [O Amor
Não Tem Idade’]. Ainda tem esse livro? Se lembra do que ele trata?
Ana
Carolina – Eu lembro de ter lido esse livro. Sei que ele é um livro espírita,
que era... As leituras que eu mais fazia, ainda faço, é o que eu gosto.
G1 –
Você é espírita?
Ana
Carolina – Sou. A minha crença, né?
G1-
O espiritismo trata de vida após a morte. Você já teve alguma mensagem?
Ana
Carolina – Aí eu prefiro não... Me abster dessa...
G1 -
Por que o caso isabella se tornou tão emblemático, que ainda é falado dez anos
depois?
Ana
Carolina – Eu acho que foi a maneira cruel como tudo aconteceu, a maneira como,
como eles [Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá] encararam fugir da
situação, como eles encararam se defender diante de uma barbaridade dessa. As
vezes me pergunto porque eu acho que realmente aconteceram crimes tão cruéis
quanto, e eu realmente já me perguntei várias vezes por quê? Por que tão forte
foi isso? Eu acho que foi um conjunto de coisas, né? Um conjunto de coisas que
foram acontecendo durante. Se mostrando depois da morte da minha filha, que
foram deixando as pessoas cada vez mais chocadas, mais, mais passadas com
tamanha crueldade. Então eu acho que foi basicamente por isso.
G1 –
Pra você o caso está encerrado?
Ana
Carolina – Ah, eu acho que não, né? Ele tá encerrado porque existiu o ponto
final em termos jurídicos, mas eu acho que daqui a pouco, como você falou, é
liberdade provisória, é liberdade definitiva, e nunca, nunca vai acabar.
G1 –
Uma vez conversei com você a respeito da saída da madrasta, aí você colocou que
foi um ‘absurdo’. O que você pensa dessas liberdades que são concedidasa presos
condenados?
Ana
Carolina – Eu continuo achando que é um absurdo. Como é que pessoas que cometem
crimes tão bárbaros, cruéis tem a opção de estar livre? Tem a opção de
liberdade?... Sair justamente em datas tão fortes: dia das mães, dia das
crianças? Então, não é uma privação, eu acho que a cadeia é você se privar e
pagar por um crime que você cometeu. A partir do momento que você tem uma
liberdade, seja ela provisória ou seja ela definitiva, você não tá mais pagando
por aquilo que você cometeu. Você tá livre pra fazer o que você quiser. Isso é
lei. Quem sou eu pra, pra discordar da lei? Mas eu acho isso um... Assim... É
tão absurdo que eu não consigo nem, nem pensar.
'Continuo achando que é um absurdo'
G1-
Tem alguma coisa que você gostaria de falar pras pessoas que acompanharam esse
caso?
Ana
Carolina – Ah, eu só tenho gratidão. Porque as pessoas são tão generosas, as
pessoas... Ainda existem pessoas boas no mundo que, que querem transmitir uma
mensagem legal, que querem te dar um abraço, então é, é só agradecer mesmo.
G1-
Você ainda se emociona...
Ana
Carolina – Bastante [diz ela, que em seguida chora].
G1 –
Ainda chora...
Ana
Carolina – Ah, eu acho... Menos frequência, mas ainda...
Fonte : G1
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