Valdo
vivia entre Lisboa e Paris até que apareceu no ano passado uma oportunidade de
trabalho em forma de aventura. O convite para identificar e lapidar joias no
Congo empolgou, e o ex-jogador da seleção brasileira trocou o conforto da vida
em grandes capitais europeias para viver longe da família em um país pequeno da
África. Em Brazavile, ele trabalha para o Governo local no Centro Nacional de
Formação de Futebol em busca de jovens talentos. O fato de ser ídolo do Paris Saint-Germain
o credenciava como novo certo na antiga colônia francesa - mas ele sabe que o
trabalho lá não tem qualquer relação com os dólares do Catar.
- Vim para o Congo numa
festa nacional e participei de uma reunião com várias pessoas, que queriam implantar
o sistema do PSG. Eu levantei o dedo e falei, com todo o respeito, para fugir
disso. O objetivo aqui é formar, fazer peneira, correr de norte a sul, leste a
oeste, atrás de jogador. Às vezes não encontra ninguém, mas às vezes encontra.
Tinha que organizar o futebol congolês e revelar jogadores. Quero fazer os
meninos. Aqui tem muito bom jogador, mas na cabeça deles todos vão crescer e
morrer aqui. Não acreditam neles. Aqui tem muitos jogadores bons de 16, anos,
17 anos - disse Valdo, em entrevista por telefone.
Ao longo dos 20 anos de
carreira, Valdo jogou duas Copas do Mundo (1986 e 1990) e defendeu as cores de
grandes times do Brasil, casos de Grêmio, Cruzeiro, Santos, Sport, Atlético-MG
e Botafogo. Mas foi com as cores de Benfica e, sobretudo, PSG que ganhou fama
internacional. Com prestígio de sobra em Paris pelo que fez na cidade na
primeira métade da década de 90, ele avalia o atual momento de investimentos no
clube.
- Hoje cada equipe não tem
tanta qualidade estrangeira como a Inglaterra atual ou como a Itália já teve. O
Lyon foi campeão oito vezes e nunca chegou forte na Champions. Quando o PSG
levou Neymar e Daniel Alves, acho que ganharia, mas não é assim. Os tubarões
estão sempre ali. O Paris é o caçula, o mais novinho. Acho que vai demorar mais
uns três, quatro, cinco anos até ganhar. Está no caminho certo, mas leva tempo
- continua Valdo.
Depois que parou de jogar,
em 2004, pelo Botafogo, ele passou a viver em Lisboa, mas sempre esteve próximo
a Paris. Com prestígio na França, recebeu um convite por intermédio de uma
grande empresa de material esportivo para conhecer o projeto no Congo e assumir
o cargo de diretor técnico nas categorias de base da seleção local. Assim,
deixou a esposa, que trabalha no marketing do Benfica, e a filha na Europa e
assinou um contrato válido por três anos.
- É completamente diferente
a vida aqui. É preciso se adaptar quando se tem um objetivo. Venho de uma
cidade muito pequena. Nunca tive grandes ambições, grandes luxos. Sempre fui
muito tranquilo, mesmo no ápice da carreira. Eu em adapto fácil. Quando estou
com jogadores, fico de chinelo. Quando vou ver ministro, visto terno. Agora, o
restante do povo tem bastante dificuldade. Temos problema de energia e internet.
Eu vivo bem. Moro num baita apartamento. Quando a energia acaba, aqui eu tenho
recurso para ainda ter luz. Estou numa zona privilegia.
No Congo, Valdo trabalha em
um CT que atende 25 jogadores sub-17 e outros 25 sub-20 e na rotina acorda às
4h e prepara um lanche para os meninos, que fora de lá, têm problemas de
desnutrição. Uma rotina muito longe daquela que vivem os astros do PSG.
- A dificuldade é grande e
quando estão conosco na concentração é diferente. Comem bem, damos suplemento,
e eles estão debaixo do nosso nariz. Fora dali o grande problema é em termos de
alimentação - completou.
Na entrevista, o meia
explicou as diferenças para o "vizinho rico", a República Democrática
do Congo, reclamou do calor que obriga os jogadores a treinarem com um balde ao
lado do gramado e ainda falou mais sobre PSG.
Confira a entrevista na
íntegra
Congo x Congo
Aqui é a República do Congo.
A República Democratica do Congo é outro país. Um rio divide os dois. Lá a
coisa é mais quente, tem mais movimento, tem mais rebelião. Estamos falando de
um país de 85 milhões de habitantes. Em termos de território, é muito maior,
por exemplo, que a França. Lá, eles têm tudo: urânio, petróleo, gás... É um
país muito rico. Nosso país é pequeno, tem 4,5 milhões de habitantes. Aqui é
tudo muito rápido. Lá foi colonizado pelos belgas. Aqui foi uma mistura, teve
franceses. Lá os jogadores seguem quase todos para a Bélgica. Aqui saem mais
para a Espanha. Alguns vão para Malta. O futebol congolês, apesar de bom, não
tem a credibilidade dos nossos vizinhos.
O desafio do calor
Eu vou para o treino e volto
para casa. Aqui, parceiro, é muito quente. Eu não sou muito do calor. A umidade
é muito grande. O nosso campo é aquele sintético, de gramado antigo, sem tanta
borracha. Às vezes, os jogadores estão treinando e precisam de um balde lá fora
para os jogadores molharem os pés. Temos que marcar os treinos às seis de manhã
e vou esticando até onde os pés aguentam. Sempre está aquele bafo. Se não ficar
no ar, sai do banho e logo está todo colando. Aqui é para quem gosta de calor.
A maioria dos lugares não tem ar e fico com minha toalhinha de rosto.
O futebol no Congo
A seleção é forte. E eles
sabem que são bons. Só que ganham o jogo e depois é festa. O poder de
concentração é o problema, e é aí que eu entro. Aqui o que mais brigo é a
concentração. Brigo, xingo de uma maneira educada para deixá-los acesos.
Tamanho do PSG
O pessoal me interpreta mal,
mas pode ganhar uma Liga dos Campeões que não vai mudar nada. Precisa ganhar,
duas, três, quatro vezes para a camisa pesar. No sorteio, quando o cara pega a
Juve, lamenta. A mesma coisa com o Barcelona. Os caras têm história. O PSG não
tem história de Liga dos Campeões. Quando o Marcelo faz o gol e mostra o
símbolo do Real Madrid, isso representa muito. Lá tem história. Achei engraçado
quando perguntaram para o Zidane qual seria a pressão de jogar lá. O Parque dos
Príncipes é um lugar tranquilo. O cara é de Marselha, onde tem muita pressão.
Crise interna no PSG
Faltou uma gestão mais
severa, não sei dizer se por parte do treinador. Teve muita coisa pequena que
se transformou de outro mundo. Faltou um gestor para apontar o caminho.
Acontecia uma coisinha pequena e virava grande, tipo o pênalti do Neymar e
Cavani. Nesse momento, o treinador não pode dizer de quem gosta mais. O pai tem
que gostar de todo mundo. Agora, tem que saber como lidar como cada filho. Não
dá para exteriorizar. Tem um centroavante de € 222 milhões e também o cara que
quebrou todos os recordes no clube. O Neymar tem sua parcela, mas não é o
culpado. A gestão é a principal culpada. A imprensa também tem sua parcela.
Fonte : ge
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