Apenas 1 dos 12 países da América do Sul tem
menos presos do que vagas no sistema prisional, segundo relatório feito com o
apoio Pastoral Carcerária e obtido pelo G1. Só o Suriname não tem superlotação;
Bolívia e Peru são os países no continente com maior excedente de presos.
A
alta taxa de presos provisórios acentua esse problema - em cinco países do
continente, pelo menos metade dos detentos ainda espera julgamento. O Brasil,
apesar de não liderar os números da superlotação ou da prisão provisória, tem a
maior quantidade de presos por 100 mil habitantes entre os países analisados –
352.
“Tudo
isso indica que existe um grande problema no Judiciário nesses países, um uso
abusivo muito forte da prisão provisória”, diz o advogado Almir Valente
Felitte, agente da Pastoral Carcerária e autor do Relatório Simplificado da
Situação Carcerária na América do Sul 2018. “As altas taxas de prisão
provisória demonstram tanto uma morosidade da Justiça de todos os países quanto
o forte conservadorismo do Judiciário no continente”.
Apesar
de algumas peculiaridades, os números fornecidos pelos governos apontam,
segundo Felitte, um sistema muito parecido em todos os países, com vários
pontos comuns, ampliados pela “cultura punitivista da América do Sul”.
Confira
abaixo alguns destaques do relatório.
Superlotação
A
superlotação é um problema grave na maior parte do continente. Bolívia e Peru
lideram, com 289% e 231% de ocupação.
Apenas
Suriname tem mais vagas do que presos, ocupando 75% do sistema prisional.
Apesar disso, há mais surinameses presos na Holanda do que em seu próprio país
natal – 3.200 contra 1.000, respectivamente -, o que demonstra que a questão
prisional também é um problema no país.
Prisão
provisória
Além
de ser o país com maior excedente de presos em relação ao número de vagas
prisionais, a Bolívia também aparece em terceiro lugar entre os países com
maior porcentagem prisões provisórias - 69,7%.
Paraguai,
com 76% de presos aguardando condenação, e Venezuela, com 73% na mesma
situação, lideram a estatística no continente.
No
caso da Bolívia, Felitte aponta que o país já passou por uma reforma no
processo penal, justamente para reduzir as prisões provisórias.
“No
entanto, esse número cresceu absurdamente. Muitos estudiosos do país acreditam
que esse isso se dá muito pelo conservadorismo do Judiciário, e por uma
tentativa de atender uma espécie de clamor público, uma espécie de populismo
penal”, afirma.
O
Chile, que tem uma das taxas de presos aguardando julgamento mais baixas do
continente – 33,4% - conseguiu uma redução nos últimos anos devido a uma
reforma que facilitou a implantação de medidas alternativas.
“Acho
que é um caminho a ser seguido para todos os países da América do Sul - tanto
para a prisão provisória quanto para penas alternativas”, diz o advogado. Em
2015, 42% das sentenças condenatórias no país tiveram penas alternativas.
Presos
por 100 mil habitantes
O
Brasil lidera a estatística, com 352 presos a cada 100 mil habitantes, seguido
por Uruguai, com 322, Guiana, com 278, e Peru, com 267.
O
autor do relatório, entretanto, ressalta que países com populações pequenas
podem ter dados distorcidos, pois é mais fácil que a taxa fique alta (caso do
segundo e terceiro colocados).
Ainda
assim, nenhum país do continente pode ser considerado “não encarcerador”. “Se
comparar com países desenvolvidos da Europa, essa taxa na América do sul é mais
de 100 acima. Alguns países têm taxa de 40, 50 presos a cada 100 mil
habitantes. O que tem menos aqui, a Bolívia, tem 148”, diz Felitte.
Classe
e gênero
Apesar
da carência de estatísticas sociais sobre os presos, alguns dados compilados
permitem apontar a vulnerabilidade pessoas mais pobres e como a guerra às
drogas as vitimiza - sendo as mulheres especialmente afetadas.
Em
países que possuem dados sobre o tipo penal das prisões, é possível ver que a
porcentagem de mulheres presas por tráfico de drogas é muito maior do que a de
homens.
A
classe social também tem impacto. No Peru, 57% dos presos trabalhavam
anteriormente como motorista, pedreiro ou agricultor – profissões normalmente
de renda menor. Na Argentina, 45% estavam desempregados antes da prisão.
Felitte
ainda destaca o alto número de encarceramentos por crimes não necessariamente
violentos. O tráfico de drogas, apesar de muitas vezes estar associado a crimes
violentos, não é em si classificado deste modo.
“Existe
um grande número de pessoas presas por pequenos furtos, crimes contra o
patrimônio. Com exceção da Argentina, não há um grande número de presos por
homicídio, sequestro, estupro. Não que eles não ocorram, a conta não fecha. Há
muitas pessoas presas por crimes não violentos e poucas por crimes violentos.”
O
advogado fez o levantamento com base em dados fornecidos por órgãos oficiais –
e em alguns casos de ONGs. A maior dos países se limita a levantar informações
mais básicas, sem dados sociais dos presos e até mesmo sem indicar o motivo da
prisão.
A
atualização das informações também é um problema – os dados do Brasil, por
exemplo, são de 2016, enquanto Chile, Peru e Uruguai, entre outros, possuem
informações sobre a população carcerária atualizadas de 2017.
Fonte : G1
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