A morte de uma menina de sete anos por
ingestão de aerossol volta a lançar luz sobre "desafios" que circulam
em vídeos pela internet e têm nas crianças suas principais vítimas.
Adrielly
Gonçalves, de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), deu entrada em uma
Unidade de Pronto Atendimento no último sábado com parada cardiorrespiratória,
em estado grave. As tentativas de reanimá-la não tiveram sucesso, segundo nota
da Secretaria de Saúde da cidade. Um laudo do Instituto Médico Legal vai
detalhar as causas da morte.
"Ela,
criança inocente, colocou o desodorante direto na boca e desmaiou, tendo uma
parada cardíaca na sequência. (Foi) por um motivo que jamais imaginamos, um
vídeo sobre desafio de inalar desodorante aerossol", disse uma familiar em
postagem no Facebook, fazendo "um alerta aos pais, (para) que fiquem de
olho nos conteúdos que os filhos pesquisam na internet".
Youtubers
fazem diferentes desafios que consistem em inalar a substância em vídeos que
circulam pelas redes sociais e acumulam milhares de visualizações no site.
Há
ainda o "jogo da asfixia" ou "do desmaio", em que
compete-se para ver quem prende a respiração por mais tempo, além de desafios
de inserir camisinhas nas narinas para tirar pela boca, de comer canela em pó
em grandes quantidades e pura, de passar cola nas narinas e na boca. Fora as
competições que induzem jovens e crianças a tomar grandes quantidades de
bebidas alcóolicas.
Todas
as práticas trazem gravíssimos riscos à saúde. E estão proliferando na internet.
A
ONG cearense DimiCuida, voltada à conscientização sobre o perigo de jogos de
asfixia, contabilizou na semana passada 24 mil vídeos em português de
"desafios de desmaio" apenas no YouTube. Há outros 800 mil em inglês.
"E
o número de vídeos fica extraordinariamente maior se contarmos outros vídeos de
jogos semelhantes que também causam asfixia, como os da camisinha ou da
canela", diz Fabiana Vasconcelos, psicóloga da ONG, à BBC Brasil.
Além
disso, há relatos de convites a jogos do tipo em postagens no Instagram, no
Snapchat e em fóruns de games online, ainda que o YouTube seja a maior fonte de
acesso.
Há
cerca de um ano e meio, um jovem de 14 anos de São Vicente (litoral de São
Paulo) foi encontrado morto com um lençol no pescoço. Investiga-se se ele foi
induzido a isso pelo chamado "jogo do desmaio".
"Muitos
acidentes acontecem por causa (de brincadeiras assim), em que as crianças
participam de desafios porque o amigo pediu, por exemplo", diz à BBC
Brasil o capitão Marcos Palumbo, porta-voz do Corpo de Bombeiros de São Paulo.
"Geralmente
o resultado é muito ruim, com lesões que duram o resto da vida ou causam a
morte."
Até
jogos aparentemente inocentes, como o que estimula a ingerir canela, podem ter
consequências graves: "a canela em pó bloqueia e queima as vias
respiratórias e pode causar asfixia. O jogo da camisinha também pode
asfixiar", explica Vasconcelos, da DimiCuida.
E o
desafio do desodorante, que aparentemente causou a morte de Adrielly Gonçalves,
é perigoso por causa do alto teor de etanol (álcool) presente em qualquer tipo
de desodorante, explica Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência
Toxicológica (Ceatox) do Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da USP.
"Esse
teor é de 70% a 90%, muito maior do que o do uísque ou o absinto, por exemplo.
E, ao inalar, o volume (de álcool) absorvido é extremamente alto, provocando
uma inflamação da laringe e uma parada cardíaca", diz à BBC Brasil.
Como
agir no caso de emergências
Em
situações como essas, é preciso correr para o pronto-socorro, porque a criança
precisará de inalação ou entubação urgente, explica Wong.
E,
tendo havido a ingestão de produtos tóxicos ou alcoólicos, a orientação dos
especialistas é nunca provocar o vômito (que pode piorar a obstrução das vias
aéreas) nem oferecer nada às crianças sem antes buscar ajuda especializada.
Essa
ajuda pode ser dada pelos bombeiros (telefone 193) ou por centros de
assistência toxicológica, como o Ceatox da Faculdade de Medicina da USP
(0800-148110), que atende ligações do Brasil inteiro nas 24 horas do dia.
"As
substâncias podem causar reações diferentes entre si, e cada uma vai exigir um
tipo de tratamento, então é primordial pedir auxílio especializado", diz
Palumbo, do Corpo de Bombeiros.
No
caso de asfixia ou parada respiratória, Palumbo orienta a colocar a criança
deitada de costas no chão (por ser uma superfície rígida) com o corpo alinhado
ao pescoço, para ajudar a liberar as vias aéreas.
Isso
não dispensa, porém, que se chamem os bombeiros imediatamente, para obter
orientações específicas para as circunstâncias de cada caso.
Veja,
pelo movimento do tórax, se há sinais de respiração e batimentos cardíacos. Se
não houver, é possível que o atendente emergencial oriente a fazer uma massagem
cardíaca (um vídeo dos bombeiros no Facebook ensina a fazer as manobras)
No
caso de queimaduras, os bombeiros ensinam a lavar a área do corpo com água
corrente, cobrir com gazes úmidas e com um pano, para proteger o local. Jamais
passe qualquer produto (veja vídeo tutorial dos bombeiros com mais detalhes).
Como
prevenir
"Como
nativas do mundo digital, as crianças têm acesso muito mais rápido a esses
vídeos, enquanto os pais ainda não sabem como administrar (a navegação
infantil)", diz Vasconcelos, da DimiCuida.
A
prevenção, diz ela, começa com respeitar a idade mínima de acesso às
plataformas sociais (16 anos para WhatsApp e 13 anos para Facebook, por
exemplo). E Vasconcelos sugere a pais e responsáveis acompanhar a vida online
das crianças assim como ocorre com a vida offline.
"Assim
como perguntamos 'com qual amigo você vai sair hoje?', devemos perguntar 'quem
são seus amigos online?', 'a qual vídeo você assistiu hoje?', e assistir
junto", explica.
Vasconcelos
opina que não adianta proibir a visualização de vídeos perigosos.
"É
preciso criar um ambiente (para discutir os vídeos) sem julgamento, mas sim com
uma reflexão crítica, que ainda não está maturada nas crianças e adolescentes.
'Esse rapaz do vídeo tem quantos anos? Ele não parece ser uma criança como
você. Por que ele está fazendo isso? E vale a pena correr esse tipo de risco?
Vale a pena compartilhar esse conteúdo?'", diz.
Como,
para crianças e adolescentes, a morte é algo muito abstrato, Vasconcelos sugere
deixar claro o risco desses vídeos de forma mais concreta - dizendo, por
exemplo, que a criança pode perder seus movimentos e ser impedida de jogar
futebol.
Além
disso, é importante denunciar vídeos com conteúdo perigoso.
Em
nota, o YouTube afirma que "as políticas (da plataforma) restringem
conteúdos que têm a intenção de incitar violência ou encorajar atividades
ilegais ou perigosas, que apresentem um risco inerente de danos físicos graves
ou de morte. Qualquer usuário pode denunciar esse tipo de conteúdo e nossa
equipe analisa essas denúncias 24 horas por dia, sete dias por semana".
Fonte : G1
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